Em 1985 José
Mário Branco edita o tema Tiro no liro, dedicado a Otelo Saraiva de
Carvalho, onde ouvem-se os versos «Quem dá o tiro no liro vai pró chilindró /Quem
dá o tiro no ló anda de popó». Lembrei-me desta canção depois de ter escutado
as palavras da diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal
(DCIAP), Cândida Almeida, proferidas este sábado na Universidade de Verão do
PSD, segundo as quais «os nossos políticos não são corruptos». Em 1984, Cândida
Almeida estava colocada no Tribunal de Instrução Criminal e teve a seu cargo o
processo das FP-25 de Abril, que conduziria à condenação do Capitão de Abril por crime de associação terrorista. Lembrei-me também que, mais
recentemente, a magistrada do Ministério Público teve ação de revelo no
processo Freeport ao liderar a investigação que terminou na absolvição dos arguidos
levados a julgamento, uma decisão que deixou na penumbra o papel desempenhado
por José Sócrates no licenciamento da obra. De resto, a sombra do então
ministro do Ambiente pairou sobre a sala de audiências tendo o seu nome sido referido
em vários testemunhos, a ponto de o Tribunal do Barreiro ter solicitado ao
Ministério Público que fossem investigados indícios de corrupção naquele
organismo governamental. Uma tomada de posição que pôs em causa o trabalho
desenvolvido pela magistrada do DCIAP e que, ao que parece, muito a terá irritado. Por tudo isto, as declarações deste fim-de-semana espantam pelo seu
tom categórico, surgindo aos ouvidos de quem as ouve como uma absolvição a
priori de toda a classe política. No fundo, esta frase foi dita por alguém
que personifica as contradições do nosso sistema judicial. Em Portugal parece
ser mais fácil levar a julgamento assaltantes de galinheiros ou acusados de
crimes de sangue do que políticos envolvidos em crimes de colarinho branco, uma
demonstração do carácter de classe – burguês, para sermos mais claros – da justiça
portuguesa. Uma justiça que se diz cega mas onde os piores cegos são aqueles
que não querem ver.
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